As Misericórdias, na época em que foram fundadas, há 500 anos, representaram uma obra profundamente inovadora, que surgiram com uma organização laical, no sentido em que a sua estrutura e organização estavam entregues às confrarias de “irmãos”, que assumiam como “compromisso” praticar as obras de misericórdia corporais e espirituais, na clara inspiração evangélica de que o Senhor está escondido e se identifica não com os grandes deste mundo, que fazem as guerras e fingem construir a paz, mas sim com os pobres, com os doentes, com os presos sem nome e objecto de atenção dos que sobem na vida.
Sabemos, pela história, que as Misericórdias vieram preencher um vazio na sociedade medieval tardia e na sociedade moderna: a assistência (na pobreza e na morte) e a justiça (os presos e as execuções capitais).
A iconografia das Misericórdias evoca, no plano da representação estética, estas profundas intuições, e que se concentram em três temas fundamentais: o tema mariológico na Senhora da Piedade e na Senhora da Misericórdia; o tema da Paixão e o tema da misericórdia propriamente dita, ou seja, a representação estética do exercício concreto na atenção aos pobres, aos presos e aos doentes.
Todas estas representações estão bem patentes em todas as representações de arte existentes na Capela da Misericórdia de Arouca.
A representação da Senhora da Misericórdia, ou Senhora do Manto, é sem dúvida uma das representações mais expressivas do profundo sentir do povo cristão, que se “sente” acolhido e protegido sob o manto materno de Nossa Senhora. Povo cristão que se identifica com toda a sociedade organizada, estando de um lado, as figuras representativas da igreja (papa, bispos, cardeais, ordens religiosas) e do outro lado a sociedade civil (reis, nobres e povo), encontrando-se em algumas representações, os pobres e presos sob os pés da Virgem, expressão evocativa de estar sob a Sua protecção.
A Bandeira da Misericórdia de Arouca é uma pintura a óleo, do século XVIII, com duas faces: numa das faces a representação da Senhora da Misericórdia, onde a Virgem aparece coroada, de mãos postas, abre o manto protector seguro por um anjo de cada lado, acolhendo, à sua direita, o Papa com a tiara, um cardeal, um frade, um bispo mitrado, religiosos e religiosas (da ordem de Cister) e representantes do povo; à esquerda, encontra-se o rei coroado, envergando manto de arminho, a rainha coroada, igualmente com manto de arminho, dois nobres com coroa de conde e outros elementos da nobreza. Aos pés da virgem, o quarto crescente invertido e um mendigo de joelhos; na outra face a Senhora da Piedade onde a Virgem acolhe o Filho morto no regaço. À direita, Maria Madalena beija a mão estigmatizada de Cristo, secundada por Maria, à esquerda, São João, com a mão no peito debruça-se sobre Cristo. A coroa, três cravos e a inscrição INRI sob terra. Ao fundo, casario, numa alusão a Jerusalém.
Fonte: Tojal, Alexandre Arménio e Pinto, Paulo Campos – in Bandeiras das Misericórdias – Comissão para as comemorações dos 500 anos das Misericórdias.